Juruaia disputa o título de capital nacional da lingerie
Lucro e Paixão: Município que programava show do cantor Wando para abril espera produzir e faturar este ano de 20% a 30% mais que em 2011
Moradoras da pacata cidade de Juruaia, no Sul de Minas Gerais, e fãs do cantor Wando, conhecido tanto pelo repertório romântico quanto pela coleção de calcinhas e sutiãs recebidos do público, as amigas Lúcia Iório, Isabel Gonçalves e Ana Cristina Dias sonhavam com o dia em que iriam prestigiar o show do artista no pequeno município, a 510 quilômetros de Belo Horizonte. O lugarejo, com 9,2 mil habitantes, disputa com Fortaleza (CE) e Nova Friburgo (RJ) o título de capital nacional da lingerie – a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit) estima que as confecções de lá são responsáveis por 15% das peças íntimas fabricadas no país. Para este ano, as cerca de 160 empresas da cidade devem produzir de 20% a 30% mais do que o volume registrado em 2011, segundo avaliam empresários da Associação Comercial e Industrial de Juruaia (Aciju).
A expectativa do grupo é pelo menos cinco vezes maior do que a previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil para 2012, de 4% a 5%, conforme o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Vários motivos ajudam a entender a disparidade entre o percentual revelado pelos empresários de Juruaia e a estimativa do governo federal. Uma delas é o salto do poder aquisitivo das consumidoras, com mais famílias na chamada nova classe média. Além disso, há o aumento natural da população feminina, que soma 97,3 milhões de pessoas – quase 4 milhões a mais do que os indivíduos do sexo masculino no país.
Outro motivo: diversos fabricantes de lingeries em Nova Friburgo, também conhecida pela grande produção de calcinhas e sutiãs, não se recuperaram dos prejuízos com os temporais de 2011, que castigaram a Região Serrana do Rio de Janeiro. Procurado, o sindicato da categoria na cidade não retornou os cinco telefonemas da reportagem.
As três amigas de Juruaia, que também são empresárias do setor, aumentam a lista de justificativas para o bom resultado das confecções do lugarejo. Como diferenciais, por exemplo, elas citam a qualidade do material e as novidades das coleções deste ano. Parte dessas novidades será apresentada ao mercado durante a 15ª Feira de Lingerie de Juraia (Feinju), de 27 de abril a 1º de maio.
“Chegamos a sondar a possibilidade de o Wando fazer um show no evento”, conta Isabel, que reclama do “coração apertado”. Na última quarta-feira, quando o cantor não resistiu à insuficiência cardíaca, ela diz ter chorado como criança. Hoje, quando será celebrada a missa de 7º dia em homenagem ao músico, Isabel garante que irá trabalhar de luto. Ela faz questão de ressaltar que o carisma e o marketing involuntário criado por Wando ajudaram os fabricantes de lingerie a ampliar os negócios. Em janeiro passado, o faturamento da Art Desejo, empresa da qual a fã é sócia, subiu 34% em relação ao mesmo mês de 2011. Agora, ela espera manter o ritmo ao longo do ano.
A colega Ana Cristina, dona da Pimenta Doce, tem meta igual. A empresária, que também faz questão de exaltar o talento do músico, diz que Wando “já deixa grande saudade para o Brasil”. Lúcia Iório, dona da Lindelucy e que também estima faturamento de 20% a 30% maior em 2012, destaca que o cantor “era uma pessoa com imenso respeito pelas mulheres”. Coincidência ou não, algumas lojas em Juruaia vestiram todos dos manequins das vitrines com peças pretas na semana passada.
Mas a vida segue. E o mercado de lingerie no lugarejo vai tão de vento em popa que as fábricas não param de lançar novos produtos. Na Íntima Passion, a novidade é uma calcinha com aroma de tutti-fruti. “A aceitação está boa”, propagandeia a gerente do estabelecimento, Délany Vargas. Há poucos meses, revela, ela esteve em um shopping, em São Paulo, onde flagrou uma das peças da marca na vitrine de uma loja luxuosa. “Tive a curiosidade de ver o preço. A loja estava vendendo a peça fabricada por nós com margem de lucro de quase 300%”.
Da lavoura às calcinhas
A boa aceitação das calcinhas, sutiãs e espartilhos produzidos em Juruaia, cujo nome em tupi-guarani significa barra mansa, já chegou ao exterior. “Parte da produção segue para Portugal, Estados Unidos, Japão, Itália e outros países”, comemora João Carlos Iório, presidente da Associação Comercial e Industrial de Juruaia (Aciju). Ex-lavrador, ele trabalhou no campo por vários anos. Empregado em diversas fazendas, laborou sob sol e da chuva. Na década de 1990, porém, decidiu fazer “o acerto” com o patrão e investiu, na companhia da esposa, no mercado de lingerie. O setor começava a prosperar na cidade. “No início, eu e minha mulher contávamos com a ajuda de dois empregados. Hoje, empregamos 50 pessoas”.
Mas não é fácil conseguir mão de obra para empreender. Donos de fábricas e lojas especializadas em lingerie da cidade precisam recorrer aos municípios vizinhos na hora de contratar. Só de Guaxupé, a cidade mais próxima, saem dois ônibus lotados para Juruaia, diariamente. “Sem contar as pessoas que vêm de carro ou de moto”, disse Iório. Segundo ele, o setor emprega quase a metade da população do município. “Temos aproximadamente 160 confecções, onde trabalham cerca de 4,5 mil pessoas.”
Fonte: Estado de Minas 14/02/2012 - Economia - Por: Paulo Henrique Lobato